O jornal Público trouxe hoje uma peça com deputados que nasceram depois do 25 de Abril (versão impressa neste link) e Tiago Barbosa Ribeiro foi o deputado que participou em nome do PS.
Aqui ficam as respostas completas que serviram de base à notícia:
1 - Quais foram as grandes surpresas (boas e más) que teve quando chegou à Assembleia?
Como boa surpresa, num tempo em que a Assembleia é muitas vezes vilipendiada, destaco a grande maioria de deputados dedicados à causa pública que conheci e com quem trabalho no dia-a-dia. Em todos os partidos. Estão comprometidos com o seu mandato, com os seus eleitores, trabalhando incomparavelmente mais do que por vezes se especula, honrando também dessa forma a República. Como má surpresa, não obstante os claros avanços dos últimos anos, identifico a forma ainda muito escolástica e pesada como a Assembleia funciona, se organiza e comunica. Uma parte dos problemas de intermediação e de má imagem que a Assembleia tem junto dos cidadãos decorre muitas vezes disso, percepcionando-se uma opacidade que não é real.
2 - A idade, e sobretudo o facto de ter nascido depois do 25 de Abril, já o fez sentir-se diminuído no Parlamento?
De forma alguma. Naturalmente que não podemos ignorar que o paternalismo é um dos traços da nossa sociedade e isso acaba por afectar quase todas as instituições e organizações, das universidades às empresas, pelo que os partidos e as estruturas de representação não são alheias a isso. Numa instituição com o peso e a «gravitas» da Assembleia da República, ainda mais. Mas julgo é que importante desdramatizar essa realidade e trabalhar para sermos reconhecidos pela nossa competência e qualidade, não por causa (ou apesar) da idade. Não há muros geracionais. Quando cheguei à AR, era um dos deputados mais novos e ainda sou. Isso não impediu que fosse votado pelos meus pares para coordenar uma área especialmente sensível, para mais nesta legislatura, como é a do Trabalho e da Segurança Social. Os resultados falam por si.
3 - Havia algum deputado que admirasse particularmente?
Julgo que todos nós temos uma visão mais romantizada dos tempos épicos da Constituinte e dos primeiros anos da consolidação democrática, num país e num mundo que já não existem, num tempo de maior distinção ideológica e da recusa da rotinização e burocratização que hoje são um risco sobre o trabalho parlamentar. No meu gabinete tenho uma fotografia extraordinária com Francisco Salgado Zenha, Mário Soares, Almeida Santos e Manuel Alegre na primeira fila do combate parlamentar do PS. Todos temos nessa geração de fundadores e constituintes grandes referências parlamentares, tribunos de excelência e políticos de grande coragem, até física. O mesmo com António Arnaut, que era magnetizante. Mas também tenho um busto da República na minha mesa e considero bastante parlamentares da Primeira República, bem como outras figuras do Portugal democrático de diferentes partidos. Vamos tendo assim referências heterodoxas.
4 - Alguma vez achou que a AR é uma "mega central de negócios", como diz o Paulo Morais?
Não. Acho essa afirmação profundamente injusta para todos os deputados que trabalham de forma dedicada e ética para honrar o seu mandato. Nunca senti qualquer proximidade com negócios nem vejo quem o faça. Há uma ideia que não corresponde ao que se passa. Esse discurso não é sustentado na realidade, é perigoso e errado.
5 - Já imaginou o que fará no futuro, quando deixar o Parlamento?
Voltarei a fazer o que fazia antes. Tenho uma vida profissional estabilizada. Sou quadro superior de uma empresa no Porto há vários anos e suspendi o vínculo para exercício de funções públicas enquanto estou como deputado. Retomarei quando as terminar.
6 - Que importância teve o ideário de Abril na sua formação política?
É a primeira centralidade. O 25 de Abril foi o acontecimento mais marcante do século XX português. É património de todos os democratas e de todos os que não esperaram pelo final desse dia em 1974 para descobrirem os valores da liberdade e do combate à ditadura. Só foi possível com todos os oposicionistas, presos e exilados, os que ousaram lutar e divergir, incluindo os que se bateram pela independência nas colónias. O Estado Novo não foi apenas uma ditadura: foi um tampão ao desenvolvimento nacional durante quase meio século e a sua maior herança foi a pobreza endémica, o analfabetismo, a inexistência de Estado Social, de saúde, educação, infra-estruturas. É também por causa disso que temos de continuar a renovar e a cumprir Abril, porque não há liberdade a sério para quem é pobre, para quem não pode prosseguir os seus estudos, para um precário, para quem não pode pagar a sua habitação.
7 - De que forma está esse ideário vivo, ou não, no Parlamento
Está vivo no Parlamento e em todos os partidos que se revejam no texto constitucional. Esse ideário não é monolítico, incorpora experiências divergentes e por vezes conflituantes, e por isso não pode ser fossilizado. Precisamos de inquietação, de abrir continuamente o Parlamento a novas formas de agir e de intervir, de preservar o núcleo das nossas conquistas democráticas perante novas e velhas ameaças. Isso faz-se dignificando a acção política e encontrando, em cada tempo, as melhores respostas às expectativas do nosso povo.