Entrevista à revista Dependências
13 Abr 2023
Entrevista à revista Dependências

Entrevista de Tiago Barbosa Ribeiro à revista «Dependências» sobre questões relacionadas com o tráfico e consumo de droga na cidade do Porto.

A versão impressa da revista pode ser consultada nesta ligação.

 

Um dos vários problemas com que a Câmara Municipal do Porto se depara prende-se com o consumo de drogas... chega a parecer que apenas agora surgiu... O que fez o executivo para enfrentar este problema?

Tiago Barbosa Ribeiro (TBR) – Esse é um problema muito sério. É multidimensional, resultando de diferentes problemas que convergem na dimensão do consumo e na do tráfico, duas dimensões que devem ser aprofundadas em separado.

No caso do Porto, este é um problema que resulta, desde logo, daquilo que foi feito no Aleixo, com uma demolição descontrolada, sem acompanhamento social nem sanitário de muitos dos consumidores que ali estavam e sem um acompanhamento multidisciplinar das pessoas que necessitavam, provocando uma dispersão do problema e uma grande disrupção em Lordelo do Ouro, nomeadamente no Bairro Pinheiro Torres e no Bairro da Pasteleira Nova.

Mas não só: hoje, vemos o fenómeno a alastrar-se por muitas outras zonas da cidade, nomeadamente no Bairro do Cerco, Bairro de Francos, no Bairro do Viso, Ramalde do Meio... e, portanto, há aqui um problema seríssimo que tem que ser encarado em função de opções que foram sendo feitas e para as quais, à época, o Partido Socialista procurou chamar a atenção, atendendo aos exemplos e ao comparativo internacional.

Essas preocupações não foram atendidas e hoje a realidade entra pelos nossos olhos dentro.

Quanto ao que o executivo tem feito, na nossa opinião tem ficado aquém, tem feito pouco face ao que é possível fazer e tem vindo a enjeitar permanentemente algumas responsabilidades para outras esferas. Nós não ignoramos a importância dessas outras esferas, nomeadamente a necessária articulação com o Ministério da Administração Interna e com o Ministério da Saúde e instituições tuteladas, mas já em campanha eleitoral autárquica, quase há dois anos, eu próprio fui várias vezes à zona da Pasteleira Nova e ao Pinheiro Torres, reuni variadíssimas vezes com as IPSS e equipas de rua que intervêm no terreno e já era evidente a necessidade da sala de consumo assistido, que foi muito protelada pela Câmara Municipal do Porto.

Por outro lado, naquilo que pode e deve ser feito pelo município, dou um exemplo muito concreto, que já tive a oportunidade de apresentar em sede de executivo, que tem a ver com a reconfiguração urbana do Bairro da Pasteleira Nova. Existem uns pequenos corredores interiores que estão atualmente praticamente capturados pelo tráfico de droga, o que está identificado pelo comando policial, e essa responsabilidade cabe mesmo à Câmara Municipal do Porto: procurar uma reconversão urbanística que dificulte as operações de tráfico e que facilite as operações de combate ao tráfico.

Temos a dimensão social, temos a dimensão sanitária, a urbanística, temos um acumulado de situações e de opções, algumas municipais, outras não, que levaram à situação atual e agora importa corrigir os problemas.

 

Como sabemos, é proibido comprar e consumir drogas mas tal não constitui crime, ao contrário do tráfico, e o atual autarca lançou mesmo alguma confusão sobre o tema nas populações ao colocar a tónica do problema nos consumidores... entretanto, as respostas necessárias falham e gostaria de saber porquê.

TBR – Quero crer que ninguém pretende que alguém vá preso por consumir droga. O modelo português está estabilizado, é um modelo de sucesso internacional e deve continuar a ser seguido e aprofundado. Tal não inviabiliza, na minha opinião, que possamos, na medida do necessário, revisitar o enquadramento legal para procurar fazer algumas correções que levem a que não tenhamos, por exemplo, o que hoje acontece na Escola das Condominhas ou no ATL da Associação de Promoção da População do Bairro do Aleixo, que acordam diariamente com entulho provocado pelo consumo, com as seringas e outro tipo de problemas...

 

...Isso leva a outra questão: por que não tem a autarquia nenhum programa de prevenção nem de redução de danos?

TBR – É uma boa pergunta. Acho que tem havido muito inoperância e não ignoro o facto de este problema acontecer numa zona da cidade que, pela sua envolvente socioeconómica, o torna mais visível. Suscita maior alarido social. Porque já tivemos durante muitos anos problemas relacionados com o tráfico e o consumo, por exemplo, no Bairro do Aleixo, mas como estava socialmente e urbanisticamente escondido da cidade, não tinha a projecção que vemos hoje.

Nos últimos meses, está a haver uma maior atenção pública desta problemática e uma postura de quase combate entre a Câmara Municipal e o Estado Central, que naturalmente não leva a lado nenhum, mas durante muito tempo não houve acompanhamento por parte da autarquia, nem a nível social nem a nível sanitário. E a nível de segurança pública, não houve algo que já questionámos várias vezes: o contrato local de segurança para aquela zona, que é da responsabilidade da autarquia. Já tivemos também a oportunidade de reunir com o ministro da Administração Interna.

A autarquia, neste como noutros temas, faz aquilo que melhor sabe, que é enjeitar responsabilidades. Para lá desse jogo político, creio é que temos de encontrar, enquanto sociedade, enquanto portuenses, as melhores soluções neste contexto. É para isso que tenho trabalhado.

 

Presumo que, para o Partido Socialista, as dependências constituam um problema de saúde pública que deve ser encarado com humanismo e pragmatismo...

TBR – Sem dúvida!

 

Faz então algum sentido o facto de o presidente da câmara ter tratado os toxicodependentes como marginais ou lixo?

TBR – Claro que não, aí não existe qualquer dúvida. O que me parece é que temos que encontrar o enquadramento social e de acompanhamento das adições por parte das pessoas que dele necessitam. Houve algo que foi feito a nível nacional durante o governo da Troika, que foi a extinção do IDT. Isso gerou muitas disrupções nas equipas de rua e naquilo que eram as preocupações e atenção do setor da saúde aos CAD e à limitação de doenças infetocontagiosas. É algo que tem de voltar a estar em cima da mesa. É absolutamente urgente que um instituto desta natureza seja recuperado com a força que o IDT tinha e sei que o ministro da saúde, Manuel Pizarro, está a seguir esse caminho que permitirá essa intervenção de rua.

Porém, é sempre imperativo e absolutamente decisivo o papel da autarquia, sobretudo uma autarquia com a força que tem uma Câmara como a Porto, independentemente de quem a lidere. Reconheço que algumas coisas têm vindo a ser bem feitas pelo município, como a participação na sala de consumo assistido: embora tardia, é uma medida que valorizamos. Destaco também o trabalho que tem vindo a ser feito no Joaquim Urbano.

O que me parece importante é puxar por esse trabalho em rede, que implica todas as instituições, todo o conhecimento adquirido e capital de conhecimento de quem está no terreno, e não uma guerra permanente entre instituições que o PS não defende nem partilha. Isso apouca o Porto.

 

O PS e o Tiago Barbosa Ribeiro em particular foram acusados pelo BE e pelo PCP de terem apoiado a repressão enquanto resposta aos problemas do consumo... Isso é verdade?

TBR – Não, não é verdade. Houve uma moção que foi votada na Câmara Municipal do Porto enquanto expressão de princípios sobre problemas que existem na cidade. As moções são mesmo isso. Enquanto eleitos do PS, temos a postura de procurar sempre não explorar as divergências, mas sim os consensos em nome de temas que dizem respeito à cidade. Fizemos isso em relação a essa moção, como fazemos em relação a moções do BE ou do PCP, que votamos semanalmente, procurando essas convergências. Votar contra, seja o que for, é manifestamente muito fácil.  Ser construtivo é que por vezes custa mais, mas é o que os cidadãos valorizam.

Relativamente a essa moção em concreto, tem expressões ou considerandos com os quais concordamos e outros relativamente aos quais discordamos. Dá-se o caso e a vantagem de ter sido numa reunião pública na qual está gravada a nossa intervenção e em relação à incluímos uma declaração de voto por escrito, por acaso bastante extensa e detalhada.

O que defendemos é muito claro: o que está a acontecer na zona do Fluvial é um falhanço das instituições e isso está a levar a que muita da população que ali vive esteja a afastar-se do apoio à lei atualmente existente, porque simplesmente ela não está a funcionar naquele contexto. Isso é o pior que nos pode acontecer e temos de trabalhar para mudar a realidade.

Precisamos de mão pesada contra os traficantes. O maior “supermercado de droga” do norte está ali, há um clima de enorme insegurança percepcionada e de insegurança concreta e registada. Obviamente, quando as pessoas saem de casa e vão levar os filhos à escola e passam por acampamentos de toxicodependentes, toneladas de entulho relacionadas com o consumo problemas de pequena e grande criminalidade associada ao tráfico e às operações policiais para o combater – em 2022 foram realizadas mais de 1800 operações policiais nos bairros da Pasteleira Nova e Pinheiro Torres –, constatamos que há um falhanço das instituições. E quando falha o Estado, o populismo cresce. Não o podemos permitir.

Para quem se situa no campo progressista, como nós, importa também nunca esquecer que esta é uma realidade que prejudica em primeiro lugar os próprios moradores dos bairros sociais. São aqueles que mais precisam do apoio do Estado (desde logo, de habitação social) e são os que mais se sentem afectados pelo tráfico onde o Estado falha. E a Câmara Municipal é parte do Estado. Aqueles moradores criam os seus filhos no meio daquela desestruturação porque não têm outra opção, gente que usa casas municipais da porta ao lado para montar o negócio de droga. Isto para mim é intolerável.

Existe hoje uma parte da população que está literalmente sequestrada pelo tráfico de droga e essa população frágil e desfavorecida, que recebo semanalmente em audiências, partilhando experiências muito complicadas, tem de ser defendida. O PS não ignora esse problema, atribuímos à Câmara as responsabilidades que tem, o mesmo fazemos relativamente a outras entidades. Queremos cuidar das dependências ao mesmo tempo que implementámos uma política de tolerância zero contra os traficantes.

 

Tem os problemas identificados... que respostas preconizaria para a sua resolução?

TBR – Comecei por dizer com seriedade, na primeira resposta, que este é um problema multifatorial e multidimensional, em relação ao qual a Câmara Municipal do Porto é uma parte da solução, mas não toda. Já dei alguns exemplos.

Primeiro, não teria feito o que foi feito no Aleixo e acho que isso teria ajudado a que não tivéssemos hoje uma dispersão tão grande deste problema por tantas zonas da cidade. Mas, agora não podemos mudar o passado.

Adicionalmente, era importante que, do ponto de vista autárquico, tivesse havido uma maior intervenção prematura no acompanhamento dos toxicodependentes e na criação da sala de consumo assistido, que peca por muito tardia, embora valorizemos. Os primeiros resultados são positivos e vamos continuar a acompanhar.

Noutra frente, relativamente à intervenção urbanística, ela é fundamental. Não se resolvem problemas desta natureza associados a bairros sociais sem intervenção urbanística. Isto é muito evidente no Bairro da Pasteleira Nova e é importante que a Câmara Municipal do Porto aí assuma as suas responsabilidades.

Ao nível da segurança, é importante que seja criado e estabelecido o contrato local de segurança para aquela zona, que não existe, e que haja uma articulação com as autoridades policiais, os órgãos de investigação criminal e a tutela das polícias.

É importante continuar a apoiar, do ponto de vista municipal, as IPSS e ONG que atuam neste setor, que conhecem o terreno e que oferecem respostas em rede, que devem ser articuladas, financiadas e muitas participadas pela própria câmara municipal, como já é o caso do Joaquim Urbano, mas é importante reforçar e alargar essas respostas.

Finalmente, esta não é uma dimensão da câmara, mas não me choca minimamente revisitar o enquadramento legal para perceber se é possível ou não enquadrar novas respostas penais ao nível do tráfico de droga. Ao nível dos consumos, encontrar soluções que podem passar ou não pela revisitação da legislação, mas que impeçam que haja toxicodependentes a consumir drogas à porta de uma escola ou junto ao recreio de um ATL.

A Câmara Municipal do Porto, como qualquer autarquia, mesmo quando não tem o poder de intervir diretamente sobre algumas destas matérias, tem o poder de falar, de liderar e sobretudo tem o dever de tratar estes temas com responsabilidade e não populismo.

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